segunda-feira, janeiro 31, 2005

Corrente

Aqui e aqui (post de 26 de Janeiro) propõem-me um inquérito. Agradecido, aí vão as respostas: 1) Durante o sexo, o único brinquedo que costumo usar é um despertador mecânico: programo-o para que tilinte uns doze a quinze segundos após o início da retoiça; em regra é tempo suficiente para perceber que não vale a pena perder mais tempo com a cavalheira; então desligo as campainhas, componho um ar de campeão e digo: «Incrível, meu amor; nem dei pelo tempo a passar.» E pisgo-me. 2) A resposta às restantes perguntas é: também não.

O ócio

É certo que o esgarçanço, na sua fase pívia, decorre em muito do ócio. Já lá dizia D. Quixote, vendo Altisidora de espinha direita e muito alevantada: «Saiba Vossa Senhoria que todo o mal desta menina provém da ociosidade. O remédio para ela está numa ocupação honesta e seguida. Disse-me aqui que se usam rendas no Inferno. Como é coisa que sabe fazer com certeza, não as largue da mão. Enquanto está ocupada em rodar os bilros, não lhe vêm à cabeça os maus pensamentos.»

A doutrina do engenhoso fidalgo fez muita escola nos seminários e nos colégios de rigoroso internato. Em Santo Tirso, por exemplo, a receita para os mocinhos com negativa a Latim, e que simultaneamente começavam a levantar a garupa, seguia o preceito antigo: esfregar o soalho dos corredores a escova e sabão azul para desgaste do físico; decorar, para desgaste do espírito, o quadro cronológico das civilizações da antiguidade oriental insertas na História Universal do sr. dr. António G. Matoso; e rezar, invocando o auxílio divino, doze padre-nossos.

Há quem garanta que a receita do Colégio D. Diogo, de Braga – mais pragmática, mais de escudeiro – não atingia resultados de menor fiabilidade: os padres-mestres limitavam-se a obrigar os artolas a dormir com as mãos atadas atrás das costas.

sexta-feira, janeiro 28, 2005

O Erro de Damásio (4)

A oxitocina pode ser libertada pelo corpo, por exemplo, durante o orgasmo ou durante a punheta. É uma substância química cuidado-lá-com-ela. Como explica António Damásio, «facilita as interacções sociais e induz a ligação entre os parceiros amorosos». Pois é aí mesmo que entra o arganaz. O arganaz, diga-se desde já, é o bichinho de estimação de Damásio. Porquê? Porque «após um namoro fulminante e um primeiro dia de copulação repetida e apaixonada, o macho e a fêmea tornam-se inseparáveis até à morte». Como Deus manda.

Ora a este comportamento do roedor chama o neurologista «adaptação agradável»; uma adaptação que «traz muitas vantagens em muitas espécies, uma vez que mantém unidos aqueles que têm de cuidar da prole e contribuir ainda para outros aspectos da organização social».

Brilhante! O cientista a reger-se por preocupações de ordem moral... E explica que assim é que devíamos fazer nós, humanos, por via da «força de vontade»...

Chegados aqui, a leitora mais atenta dará a Damásio o benefício da dúvida, argumentando que talvez o neurologista não defenda o comportamento do arganaz por razões morais, mas apenas porque se revela mais adequado em termos de estratégias de sobrevivência; que assim é que garante a perpetuação da prole.

Calma. Há aqui estrangeirinha. Vejamos: Damásio cita, a propósito do arganaz, os estudos de Thomas Insel. Muito bem. Mas – só pode ser deliberadamente – omite os de Larry Young (Universidade Emory, Atlanta), que demonstram que o arganaz é um putanheiro à sétima casa. Mistério? A história é simples. Damásio decide, a favor da sua tese, dar-nos a conhecer o arganaz-do-campo (Microtus ochrogaster), esse exemplo inquestionável de fidelidade; mas oculta-nos – a favor ainda, presume-se, da sua tese – a existência de um outro arganaz: o arganaz-montanhês (Microtus montanus), que fode tão a torto e a direito que se usasse preservativos haveria de exigir a marca Zig-Zag. Pois este montanus, a despeito da oxitocina, prefere sempre uma nova parceira, está-se nas tintas para os minaus que lhe rondam a comparte primeva, e deixa à fêmea, em exclusivo, os encargos com os cuidados da prole. E – imagine-se: a sua sobrevivência não está ameaçada; apenas o obrigou a adoptar estratégias diversas. De onde se retira que a tese de Damásio não apenas cai por terra, como cai estrondosamente e se desfaz em pedaços não menores que o do pirex tombando das bancas no mosaico das cozinhas.

Aqui, na Seita de Fénix, temos uma predilecção muito especial pelo ratinho montanhês, claro. Achamos-lhe piada, que querem? Mas não tropeçamos no erro de Damásio: se o arganaz-lapouço (perdão: do campo) elege a fidelidade como valor maior, está no seu direito. Tenho um amigo que é assim – e no entanto ambos sobrevivemos: ele com os seus valores de fidelidade; eu retoiçando-me com a sua legítima esposa quando o trabalho lhe exige (a ele) ausências prolongadas.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

O Erro de Damásio (3)

A história é conhecida: Tristão e Isolda bebem uma poção (secretamente preparada por Brangena) que os arrasta para uma paixão, um êxtase, que não conseguem controlar. António Damásio considera que Richard Wagner, compositor da ópera Tristão e Isolda, se sentiu atraído por esta história porque ele próprio foi vítima de uma paixão «não menos insensata». E porquê insensata? Porque, ainda de acordo com Damásio, Wagner era casado; e a amante, Mathilde Wesendonk, era a mulher do «generoso» benfeitor do compositor...

A isto chega a sobranceria moral do neurologista da Universidade de Iowa; o seu quadro mental formatado no preconceito. Sigamos a tese: no nosso organismo, a oxitocina pode funcionar como uma espécie de filtro do amor – como a poção preparada por Brangena – e induzir-nos a comportamentos ínvios; mas que podemos ser capazes de eliminar «através da chamada força de vontade».

Wagner, portanto, comportou-se como se os ensinamentos de Descartes fossem verdadeiros: porque não teve em conta a premissa de que só pensamos porque existimos. Estava nas mãos de Wagner, como se vê, evitar que o seu «generoso benfeitor» ganhasse apêndices na córnea. Mas não: foi insensato e cedeu à paixão; permitiu-se seguir o desejo; arrogou-se o direito de pensar que podemos amar sem ficarmos atados à oxitocina.

Se António Damásio fosse o mentor da Seita de Fénix, a masturbação estava dependente de as batermos exclusivamente à mor da parceira que escolhêssemos, de modo responsável, para partilhar o melhor de toda uma vida. Como adiante se verá quando se falar do arganaz – esse roedor com quem todos, todos, devíamos aprender.

Os diademas

Retiravam da pele as sucessivas camadas de sedimento.
Como quem se livra da usura
e do metano.
E riscavam dos livros
os diademas. E afastavam-se do trono e do Império.
E regressavam às veredas abertas
nos depósitos da água recente.
E procuravam

num corpo

a luz primordial.

A luz ainda por abrir nas paredes de cal.

O Erro de Damásio (2)

Sim, António Damásio demonstra que pensamos na medida em que existimos. Mas vai mais longe. E insiste que « pensamos na medida em que existimos». O «só» fodeu tudo.

Vamos por partes. Tocar uma pívia é uma resposta ao desejo (enfim, a todos calha...): é certo que o gaiato da pívia automática só pensa porque existe, só a estiva porque um neurotransmissor ou uma comichão nos tomates o impelem à punheta; sucumbe, já se vê, ao peso da hormona, à albarda do glutamato. A lição de Damásio serve a este exemplo.

Acontece que o cultor da suprema Arte da laustríbia deseja o desejo; e sabe – como Descartes ensinou – que o pensar ou o desejar podem desligar-se da matéria.

Claro que um corpo é sempre o objecto do desejo. O corpo corpóreo? Sim. Mas sabemos também que nos é dado pensar e desejar para além da opressão da oxitocina e da pulsão do cio

– e ambicionar num corpo a sua mais pura imaterialidade.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

O Erro de Damásio (1)

Munto lê o pobo português: O Erro de Descartes (António Damásio, Publicações Europa América) tirou, e viu sucessivamente esgotadas, nem mais nem menos que doze edições no espaço de pouco mais que seis meses – primeira edição em Maio de 1995, décima segunda em Dezembro de 1995. É Obra. Passemos adiante, pois, dando-se de barato que toda a gente escrutinou, capítulo a capítulo, este compêndio do neurologista que disseca o funcionamento do cérebro humano, que nos explica as diferenças entre sentimento e emoção, que disserta longamente sobre a dor e o prazer e que nos explica que a compreensão cabal da mente humana «requer a adopção de uma perspectiva do organismo».

Ora, já se sabe, tudo o que seja a compreensão dos fenómenos associados ao prazer – sobretudo quando o exponente é chefe de departamento na Universidade de Iowa – interessa-nos, interessa-nos muito. Por isso , nesse Inverno muito frio de 1995/1996, deitámos mãos à obra; expectantes; mas confiados.

Acontece que a obra é um embuste. Acontece que António Damásio escreve com uma sobranceria moral que chega a ser penosa, que chega a ser, sim, aflitiva. Os exemplos são tantos, e tão incríveis, que davam para mudar o nome do blog e ficarmo-nos assim: O Erro de Damásio: a literatura na perspectiva do não-arregaces-que-a-civilização-não avança.

Pois chegamos à página 266 e, finalmente, topamos com a questão do prazer. A formulação deixa-nos logo de pé atrás, mas enfim: «A dor e o prazer são as alavancas de que o organismo necessita para que as estratégias instintivas e adquiridas actuem com eficácia».

Nas quase trezentas linhas de texto que se seguem, Damásio explica-nos tudo sobre a dor. Ficamos cientes de que «alterações na percepção da dor» são acompanhadas de «problemas do comportamento»; que o sofrimento nos coloca de «sobreaviso»; que os indivíduos afectados pela «ausência congénita de dor» adquirem estratégias anormais de comportamento; que a dor é o motor da sobrevivência do Homem; tudo, está lá tudo sobre essa coisa fantástica que é a dor.

Mas quando estamos à espera de saber o que se passa com a outra alavanca – a do prazer – o creditado neurologista despacha-nos em meio parágrafo. Sem apelo nem agravo, escreve: «Disse pouca coisa acerca do prazer. A dor e o prazer não são imagens gémeas ou simétricas uma da outra, pelo menos não o são em termos das suas funções no apoio à sobrevivência. De certa forma, e a maior parte das vezes, é a informação associada à dor que nos desvia do perigo iminente, tanto no momento presente como no futuro antecipado. É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se regem pela busca do prazer, tanto ou mais do que pela fuga à dor, consigam sobreviver».

Os leitores hão-de perdoar a extensa introdução. Mas tem que ser: a punheta, aqui na Seita de Fénix, é coisa científica; qualquer desenvolvimento exige um enquadramento prévio. Nos próximos posts, em meio parágrafo, explicaremos: a) porque razão o arganaz (um roedor de belíssima pelagem, «muito prestável em torno do ninho») é um exemplo que devíamos seguir; b) porque razão teve Richard Wagner uma paixão insensata; c) porque razão António Damásio teme tanto a Arte sublime do esgarçanço – e acha mais adequado à sobrevivência manter relações masoquistas ou levar no cu a sangue-frio.

terça-feira, janeiro 25, 2005

Fases

De repente, não mais que de repente, a masturbação deixava de ser um assunto tabu. Porquê? Ora nem mais: à mor dum artigo publicado numa revista científica prestigiada; estrãogeira e tudo; onde se confirma que faz bem à saúde; que reduz o risco de cancro na próstata. O pessoal começou logo a galinhar: tás a ver, tás a ver? De repente, não mais que de repente, era possível falar da masturbação em público; e a masturbação ganhava um estatuto interessante: porque fazia bem à saúde.

O esgarçanço continua a ser uma coisa «decadente, pecaminosa, grotesca» (confirmar aqui); mas faz bem à saúde; e, sendo assim – tolera-se. Ora uma civilização que prescreve a tolerância da punheta do mesmo passo, e pelas mesmas razões, que tolera o clister, o óleo de fígado de bacalhau ou a amputação em caso de isquémia arterial – está ainda na fase, digamos, cavernícola.

A abundância

O desejo era um dos nomes que procuravam nas frases.
Mas temiam a luz, a
sua excessiva diáspora.
Temiam a claridade vasta dos campos.
O azul das manhãs de junho.
A imensa labareda dos astros. Temiam
a abundância. Temiam
a opulência.
E se procuravam,
se procuravam ficavam encostados à escassez.
Podiam ter sede:
recusavam a água.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

PAUSA

A Seita vai fechar a tasca por uns tempos. Aqui não as tocamos por instinto - de vez em quando pára-se, depois retoma-se, depois o mais certo é que paremos de novo, e depois retomemos. Esgaramantear a laustríbia não é o mesmo que arregaçar o estadulho. Os nossos quatro leitores (melhor: o nosso leitor e as nossas três leitoras) compreendem. Obrigado pela atenção.


terça-feira, janeiro 18, 2005

Mercearia

Estes gaioleiros, que do amor não atingem senão a matéria de que é feito um corpo e o seu peso remanescente, muito seria de esperar que na política vissem além da aritmética dos impostos e das continhas ruminantes do défice.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Poderosa vaga

Acaricias-te (os vidros duplos nas janelas, os cortinados corridos, a sombra poisada nas paredes e no soalho do quarto) numa muito leve espiral. Crescendo. Poderosa vaga. Até à vertigem e ao silêncio. E é então que páras por um momento breve (o lume da cona ainda nos dedos) com medo que a hélice do prazer desancadeie uma tempestade nas montanhas que descem para a cidade, ou as águas subam até aos telhados das casas, ou o fogo se propague nas árvores das alamedas e das praças, ou o granizo derrube os muros mais altos das propriedades, ou uma erupção de lítio misture na cinza do inverno a sua labareda incandescente.

domingo, janeiro 16, 2005

Desejo-te

Desejo-te. Como se respira. Ou as marés se repetem. Ou as noites se sucedem. Ao longo do ano.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

As imagens

As assistentes dos concursos televisivos – sim, aquelas meninas que ficam encostadas a um figorífico com uma das pernas ligeiramente à frente da outra enquanto o apresentador ou uma voz off gabam o sistema cooler da maquineta – têm um tempo de treino, digamos, consentâneo com a complexidade e a responsabilidade das funções que são chamadas a exercer: seis dias, em regra, desde o contrato até à emissão de estreia transmitida em diferido (nos directos suam muito – só mais tarde). No primeiro dia aprendem a percorrer de saltos altos, sem requebros excessivos, o espaço de dois metros e vinte que separa um electrodoméstico duma bicicleta de montanha; no segundo e no terceiro aprendem as técnicas de marcação em palco e os rudimentos da arte da representação de dramas extáticos (geralmente, duas páginas do Marinheiro de Fernando Pessoa é quanto basta); no quarto (oh, no quarto!) aprendem a calcular os ângulos recomendados de torsão do tronco, de exposição do busto e de levantamento de nádegas; os dois últimos dias são destinados à composição do chamado riso-careta (o riso-careta é fundamental: as meninas assistentes, durante as emissões, não podem por um único instante deixar de sorrir).

Por acasos que seria ocioso aqui pormenorizar, um dia (uma noite, aliás) dei por mim na retoiça com uma destas mocinhas: um desastre: eu a despi-la (aquilo devia ser um modelo Fátima Lopes disfarçado: muito pano, sim, mas a gente desapertava-lhe um botão da camisa e a moçoila ficava, incredibili dictu, automaticamente nua do pescoço aos tornozelos) – eu a despi-la, dizia, e ela com o sorrisinho de puta sem modulações; eu a deitá-la na cama, eu a encabá-la, eu ali em movimentos ridículos de sobe-e-desce a inventar frases e a copiar tiradas dos filmes dos anos cinquenta – e ela, foda-se, com aquele sorrisinho de plantão...

Jurei pa nunca mais...

Pois ontem dou por mim a esgaramantear uma laustríbia à mor da assistente do sorrisinho careta filho da puta... É verdade... Concentrado no mister, de olhos fechados, via-lhe tudo menos o sorriso acoplado: ele era o pernão descomunal, ele era o volume ostensivo das mamas, a curva demorada dos ombros, o pescoço, os tornozelos ligeiramente grossos, o pezinho quase delicado; tudo menos o rosto e o sorriso paneleiro aprendido no bacharelato de actriz-assistente...

António Damásio (ver O Erro de Descartes) explica que todas as memórias nos chegam por imagens – mesmo a memória das palavras; e que, devido à nossa incapacidade de armazenamento de informação, as imagens não são guardadas em cópias fiéis ao original – mas desfocadas, alteradas, compostas, misturadas, sobrepostas. Isto explica o fenómeno conhecido de todos os cultores da suprema Arte da Fénix – e que de resto justifica este esforço de salvação pelo continuado aperfeiçoamento da Arte: boa parte das mulheres são bem melhores para o esgarçanço (que vive de memórias desfocadas) do que páfoda (que nos confronta com a realidade sem apelo).

Na verdade, aquelas mamas, a coxa quase pleonástica, a nádega firme no seu posto de atalaia – não eram da menina dos concursos: mas uma insuficiência nossa no armazenamento de informação foi desse modo que mas trouxe – desligadas do sorrisinho que atrofia os músculos das assistentes e as deixa assim em estado pré-comatoso...

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Os incêndios

É assim que te recordo: vagarosa labareda na orla dos bosques.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

A feia, dizem eles

As mulheres mais interessantes não damos por elas assim à primeira. Numa festa, por exemplo, topamos por antecedência com a mocinha que não entrou ainda mas se depreende avançando no umbral com suas mamas antecipativas; e cedo se nos revela, apresentada por um amigo comum (oh, os amigos...), a menina coleante que cita parágrafos inteiros de Moderato Cantabile e fala com entusiasmo da obra de Duchamp, dissertando largamente sobre o Portrait de joueurs d’ echecs. Ninguém repara, claro, na desenjoada feiosa que roda no salão à procura do cup deslizando em redor a sua tristeza angustiada e sorridente.

Só nós (peço desculpa mas-as-verdades-têm-que-se-dizer), só nós, os que atingimos já a fase da suprema Arte, haveremos de rondá-la; elogiando-lhe o vestido passée, o penteado bob de meio comprimento, a quase paleolítica cor dark brown do tracinho das sobrancelhas. E ela, rendida, agradecida, com a respiração acelerada, com a cona aos saltinhos, temerosa de que ninguém mais, nunca mais na vida, a convide à retoiça, a rebole no banco de trás do Audi, lho arrume a direito...

Mais tarde – já tantas vezes (só nós!) a fodemos... – há-de ficar o calor da sua pele (esse insuspeitado lume), o seu indecoroso vício, a sua tão sincera chiadeira: e – já sem a chatice de lhe tirar o vestido triste, sem o risco de tropeçar no penteado totó ou dar de caras com a pupila tremeluzente encimada pelo traço diagonal das sobrancelhas – o arregaçanço, a laustríbia, a desinçada...

Claro que gabamos o esforço e a cizânia dos cavalheiros que, coitados, distraídos, se desunham ainda – com SMS’s, com recadinhos, com recorrentes mails – a ver se passam um lugar à frente na lista de foda da mamalhuda ou se, enfim, conseguem dar a volta à intelectual... Deixá-los andar – sempre estão entretidos, de candeia acesa, atrás das boazonas. Pela nossa parte – temos mais (oh oh) com que nos entreter...

domingo, janeiro 09, 2005

A pele

A pele: tocá-la e sentir nas mãos cada um dos seus poros.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

O tacto

«Pergunta-se a qualquer pessoa qual o sentido que gostaria de preservar se perdesse todos os outros. A grande maioria diria a vista, abdicando de um milhão de olhos interiores em favor dos dois olhos que têm na cara. Sendo cegos, continuaríamos vivos e poderíamos talvez descobrir a sabedoria, quando, sem tacto, nos tornaríamos em cepos.»

Jim Morrison, in Uma Oração Americana e Outros Escritos (tradução de Manuel João Gomes). Ed. Assírio & Alvim, 1981.

Tanto vale

Esta gaiatada para quem as mulheres são todas iguais, tem o mesmo entendimento da foda que os nossos políticos têm do círculo eleitoral: qualquer um serve, desde que a gente se possa pôr nele.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Adeuzinho, Heidi

Os meninos parece que estão muito apaixonados. Até se querem casar. Compõem um par bonito, burgesso, sem dúvida. Enfim, com esta nunca mais me venho: já lhe fiz uma cruz.

terça-feira, janeiro 04, 2005

In the mood for love (2)

Nenhum ruído, nenhuma agitação acompanha os movimentos de Maggie Cheung. O tempo suspendeu-se, a água ou o lume (essa rumorosa água ainda próxima das nascentes, o vagaroso lume do crepúsculo) poisam por um instante breve nos seus ombros. E é então que compreendemos que o desejo pode ser uma ferida, uma pequena cicatriz na pele, uma voz tocada pelo vento, um sopro leve nas folhas das árvores, uma sombra efémera desenhada num pátio; quase nada; e que nada nos defende da usura dessas sucessivas vagas de silêncio.

In the mood for love (1)

Os nossos críticos de cinema, metendo sexo ou beijinho, são logo muito lampeiros na taxonomia: filme pornográfico se a foda é escancarada, erótico se a cavalheira esconde menos de metade das mamas com o lençol providencial e ele é filmado do umbigo para cima e dos joelhos para baixo, comédia romântica quando a foda – geralmente num apartamento com decoração minimalista e largas janelas envidraçadas contra as luzes da cidade – é precedida dum encontro fortuito na vernissage duma exposição de pintura abstracta. Nisso – na taxonomia – são eles muito lampeiros, sim. O pior é quando se lhes depara uma obra ímpar em que ninguém rebola na cama, em que nenhuma menina se deita de costas num divã ou sobre uma alcatifa vermelha a puxar a saia até ao pescoço enquanto começa a chiar, quando não há encabadelas explícitas nem implícita lambidela, quando, enfim, ninguém se entretém na retoiça, de cuecas nos tornozelos, entre risinhos cúmplices e comentários eruditos sobre a obra de Rothko ou a passagem do tempo no primeiro capítulo de Light in August; E NO ENTANTO, e no entanto o desejo irrompe, avança em vagas sucessivas, devasta, sufoca, dilacera. É o que acontece com In the mood for love, de Wong Kar-wai. Aí os críticos tropeçaram, inventaram, escreveram – muito confusos, coitados – sobre «intenso erotismo», «amor que não se consuma», «dolorosa comunhão»; e ei-los, de súbito já sem a vocação de Lineu para catalogar e arrumar a peça em gavetas de ocasião – à nora, em palpos de aranha, fodidos da vida...

Não admira: In the mood for love é um filme (apetece dizer O filme) sobre a punheta, sobre a Arte sublime da laustríbia. Eu peço desculpa, mas isto é preciso que se diga.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Não apenas

Chegavas com o teu cabelo quase esvoaçando. Como se o teu cabelo e a leve aragem tivessem o mesmo nome. O vestido comprido muito colado ao corpo. Um ar ausente, um ar de quem está longe da linha de terra, do fio do horizonte; de quem é imune às leis da gravidade; de quem avança nas ruas sem tocar o chão. Era assim que eu te via chegar. Não apenas leve: quase etérea; pesando menos que o ar; suspensa de fios invisíveis atados aos astros. Que é que queres que te diga? O desejo era uma espécie de lume que tão vagarosamente ardia, tão vagarosamente.