O Erro de Damásio (4)
A oxitocina pode ser libertada pelo corpo, por exemplo, durante o orgasmo ou durante a punheta. É uma substância química cuidado-lá-com-ela. Como explica António Damásio, «facilita as interacções sociais e induz a ligação entre os parceiros amorosos». Pois é aí mesmo que entra o arganaz. O arganaz, diga-se desde já, é o bichinho de estimação de Damásio. Porquê? Porque «após um namoro fulminante e um primeiro dia de copulação repetida e apaixonada, o macho e a fêmea tornam-se inseparáveis até à morte». Como Deus manda.
Ora a este comportamento do roedor chama o neurologista «adaptação agradável»; uma adaptação que «traz muitas vantagens em muitas espécies, uma vez que mantém unidos aqueles que têm de cuidar da prole e contribuir ainda para outros aspectos da organização social».
Brilhante! O cientista a reger-se por preocupações de ordem moral... E explica que assim é que devíamos fazer nós, humanos, por via da «força de vontade»...
Chegados aqui, a leitora mais atenta dará a Damásio o benefício da dúvida, argumentando que talvez o neurologista não defenda o comportamento do arganaz por razões morais, mas apenas porque se revela mais adequado em termos de estratégias de sobrevivência; que assim é que garante a perpetuação da prole.
Calma. Há aqui estrangeirinha. Vejamos: Damásio cita, a propósito do arganaz, os estudos de Thomas Insel. Muito bem. Mas – só pode ser deliberadamente – omite os de Larry Young (Universidade Emory, Atlanta), que demonstram que o arganaz é um putanheiro à sétima casa. Mistério? A história é simples. Damásio decide, a favor da sua tese, dar-nos a conhecer o arganaz-do-campo (Microtus ochrogaster), esse exemplo inquestionável de fidelidade; mas oculta-nos – a favor ainda, presume-se, da sua tese – a existência de um outro arganaz: o arganaz-montanhês (Microtus montanus), que fode tão a torto e a direito que se usasse preservativos haveria de exigir a marca Zig-Zag. Pois este montanus, a despeito da oxitocina, prefere sempre uma nova parceira, está-se nas tintas para os minaus que lhe rondam a comparte primeva, e deixa à fêmea, em exclusivo, os encargos com os cuidados da prole. E – imagine-se: a sua sobrevivência não está ameaçada; apenas o obrigou a adoptar estratégias diversas. De onde se retira que a tese de Damásio não apenas cai por terra, como cai estrondosamente e se desfaz em pedaços não menores que o do pirex tombando das bancas no mosaico das cozinhas.
Aqui, na Seita de Fénix, temos uma predilecção muito especial pelo ratinho montanhês, claro. Achamos-lhe piada, que querem? Mas não tropeçamos no erro de Damásio: se o arganaz-lapouço (perdão: do campo) elege a fidelidade como valor maior, está no seu direito. Tenho um amigo que é assim – e no entanto ambos sobrevivemos: ele com os seus valores de fidelidade; eu retoiçando-me com a sua legítima esposa quando o trabalho lhe exige (a ele) ausências prolongadas.
Ora a este comportamento do roedor chama o neurologista «adaptação agradável»; uma adaptação que «traz muitas vantagens em muitas espécies, uma vez que mantém unidos aqueles que têm de cuidar da prole e contribuir ainda para outros aspectos da organização social».
Brilhante! O cientista a reger-se por preocupações de ordem moral... E explica que assim é que devíamos fazer nós, humanos, por via da «força de vontade»...
Chegados aqui, a leitora mais atenta dará a Damásio o benefício da dúvida, argumentando que talvez o neurologista não defenda o comportamento do arganaz por razões morais, mas apenas porque se revela mais adequado em termos de estratégias de sobrevivência; que assim é que garante a perpetuação da prole.
Calma. Há aqui estrangeirinha. Vejamos: Damásio cita, a propósito do arganaz, os estudos de Thomas Insel. Muito bem. Mas – só pode ser deliberadamente – omite os de Larry Young (Universidade Emory, Atlanta), que demonstram que o arganaz é um putanheiro à sétima casa. Mistério? A história é simples. Damásio decide, a favor da sua tese, dar-nos a conhecer o arganaz-do-campo (Microtus ochrogaster), esse exemplo inquestionável de fidelidade; mas oculta-nos – a favor ainda, presume-se, da sua tese – a existência de um outro arganaz: o arganaz-montanhês (Microtus montanus), que fode tão a torto e a direito que se usasse preservativos haveria de exigir a marca Zig-Zag. Pois este montanus, a despeito da oxitocina, prefere sempre uma nova parceira, está-se nas tintas para os minaus que lhe rondam a comparte primeva, e deixa à fêmea, em exclusivo, os encargos com os cuidados da prole. E – imagine-se: a sua sobrevivência não está ameaçada; apenas o obrigou a adoptar estratégias diversas. De onde se retira que a tese de Damásio não apenas cai por terra, como cai estrondosamente e se desfaz em pedaços não menores que o do pirex tombando das bancas no mosaico das cozinhas.
Aqui, na Seita de Fénix, temos uma predilecção muito especial pelo ratinho montanhês, claro. Achamos-lhe piada, que querem? Mas não tropeçamos no erro de Damásio: se o arganaz-lapouço (perdão: do campo) elege a fidelidade como valor maior, está no seu direito. Tenho um amigo que é assim – e no entanto ambos sobrevivemos: ele com os seus valores de fidelidade; eu retoiçando-me com a sua legítima esposa quando o trabalho lhe exige (a ele) ausências prolongadas.
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