O Erro de Damásio (1)
Munto lê o pobo português: O Erro de Descartes (António Damásio, Publicações Europa América) tirou, e viu sucessivamente esgotadas, nem mais nem menos que doze edições no espaço de pouco mais que seis meses – primeira edição em Maio de 1995, décima segunda em Dezembro de 1995. É Obra. Passemos adiante, pois, dando-se de barato que toda a gente escrutinou, capítulo a capítulo, este compêndio do neurologista que disseca o funcionamento do cérebro humano, que nos explica as diferenças entre sentimento e emoção, que disserta longamente sobre a dor e o prazer e que nos explica que a compreensão cabal da mente humana «requer a adopção de uma perspectiva do organismo».
Ora, já se sabe, tudo o que seja a compreensão dos fenómenos associados ao prazer – sobretudo quando o exponente é chefe de departamento na Universidade de Iowa – interessa-nos, interessa-nos muito. Por isso , nesse Inverno muito frio de 1995/1996, deitámos mãos à obra; expectantes; mas confiados.
Acontece que a obra é um embuste. Acontece que António Damásio escreve com uma sobranceria moral que chega a ser penosa, que chega a ser, sim, aflitiva. Os exemplos são tantos, e tão incríveis, que davam para mudar o nome do blog e ficarmo-nos assim: O Erro de Damásio: a literatura na perspectiva do não-arregaces-que-a-civilização-não avança.
Pois chegamos à página 266 e, finalmente, topamos com a questão do prazer. A formulação deixa-nos logo de pé atrás, mas enfim: «A dor e o prazer são as alavancas de que o organismo necessita para que as estratégias instintivas e adquiridas actuem com eficácia».
Nas quase trezentas linhas de texto que se seguem, Damásio explica-nos tudo sobre a dor. Ficamos cientes de que «alterações na percepção da dor» são acompanhadas de «problemas do comportamento»; que o sofrimento nos coloca de «sobreaviso»; que os indivíduos afectados pela «ausência congénita de dor» adquirem estratégias anormais de comportamento; que a dor é o motor da sobrevivência do Homem; tudo, está lá tudo sobre essa coisa fantástica que é a dor.
Mas quando estamos à espera de saber o que se passa com a outra alavanca – a do prazer – o creditado neurologista despacha-nos em meio parágrafo. Sem apelo nem agravo, escreve: «Disse pouca coisa acerca do prazer. A dor e o prazer não são imagens gémeas ou simétricas uma da outra, pelo menos não o são em termos das suas funções no apoio à sobrevivência. De certa forma, e a maior parte das vezes, é a informação associada à dor que nos desvia do perigo iminente, tanto no momento presente como no futuro antecipado. É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se regem pela busca do prazer, tanto ou mais do que pela fuga à dor, consigam sobreviver».
Os leitores hão-de perdoar a extensa introdução. Mas tem que ser: a punheta, aqui na Seita de Fénix, é coisa científica; qualquer desenvolvimento exige um enquadramento prévio. Nos próximos posts, em meio parágrafo, explicaremos: a) porque razão o arganaz (um roedor de belíssima pelagem, «muito prestável em torno do ninho») é um exemplo que devíamos seguir; b) porque razão teve Richard Wagner uma paixão insensata; c) porque razão António Damásio teme tanto a Arte sublime do esgarçanço – e acha mais adequado à sobrevivência manter relações masoquistas ou levar no cu a sangue-frio.
Ora, já se sabe, tudo o que seja a compreensão dos fenómenos associados ao prazer – sobretudo quando o exponente é chefe de departamento na Universidade de Iowa – interessa-nos, interessa-nos muito. Por isso , nesse Inverno muito frio de 1995/1996, deitámos mãos à obra; expectantes; mas confiados.
Acontece que a obra é um embuste. Acontece que António Damásio escreve com uma sobranceria moral que chega a ser penosa, que chega a ser, sim, aflitiva. Os exemplos são tantos, e tão incríveis, que davam para mudar o nome do blog e ficarmo-nos assim: O Erro de Damásio: a literatura na perspectiva do não-arregaces-que-a-civilização-não avança.
Pois chegamos à página 266 e, finalmente, topamos com a questão do prazer. A formulação deixa-nos logo de pé atrás, mas enfim: «A dor e o prazer são as alavancas de que o organismo necessita para que as estratégias instintivas e adquiridas actuem com eficácia».
Nas quase trezentas linhas de texto que se seguem, Damásio explica-nos tudo sobre a dor. Ficamos cientes de que «alterações na percepção da dor» são acompanhadas de «problemas do comportamento»; que o sofrimento nos coloca de «sobreaviso»; que os indivíduos afectados pela «ausência congénita de dor» adquirem estratégias anormais de comportamento; que a dor é o motor da sobrevivência do Homem; tudo, está lá tudo sobre essa coisa fantástica que é a dor.
Mas quando estamos à espera de saber o que se passa com a outra alavanca – a do prazer – o creditado neurologista despacha-nos em meio parágrafo. Sem apelo nem agravo, escreve: «Disse pouca coisa acerca do prazer. A dor e o prazer não são imagens gémeas ou simétricas uma da outra, pelo menos não o são em termos das suas funções no apoio à sobrevivência. De certa forma, e a maior parte das vezes, é a informação associada à dor que nos desvia do perigo iminente, tanto no momento presente como no futuro antecipado. É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se regem pela busca do prazer, tanto ou mais do que pela fuga à dor, consigam sobreviver».
Os leitores hão-de perdoar a extensa introdução. Mas tem que ser: a punheta, aqui na Seita de Fénix, é coisa científica; qualquer desenvolvimento exige um enquadramento prévio. Nos próximos posts, em meio parágrafo, explicaremos: a) porque razão o arganaz (um roedor de belíssima pelagem, «muito prestável em torno do ninho») é um exemplo que devíamos seguir; b) porque razão teve Richard Wagner uma paixão insensata; c) porque razão António Damásio teme tanto a Arte sublime do esgarçanço – e acha mais adequado à sobrevivência manter relações masoquistas ou levar no cu a sangue-frio.
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