quinta-feira, junho 29, 2006

Cigarros

O amor conjugal já nem necessita da foda porque se têm, um e outro dos parceiros, um ao outro, seguros. É como quando estamos em casa, à noite, altas horas, sozinhos, e abundam as reservas de cigarros: o mais certo é que nem nos apeteça fumar, mas sentimo-nos confortados por saber que se nos apetecesse fumar tínhamos tabaco.

SMS, 2

Sei hoje que fomos tocados pelo mesmo Anjo.

domingo, junho 25, 2006

A laustríbia

Desejo-te para que possa ser eu mesma. Imagino a tua pele - para que me seja mais fácil, mais verdadeiro, sentir verdadeiramente, um a um, todos os poros da minha pele. Para que tu e eu sejamos um quando me toco, sozinha, como se também tu estivesses presente nesta representação perfeita do amor.

O domínio

Custa-me, de súbito, respirar. Mas depois compreendo que os meus pulmões e a pele se misturam num exercício prodigioso onde o silêncio e a lava deixam de saber que papel representar - enquanto o desejo, mais que um diadema ou uma coroa de pérolas, impõe o seu domínio subtil.

Nos meus dentes

Quero, meu amor, como se chegasse de uma longa viagem pelo deserto, o teu caralho na minha boca, nos meus lábios, nos meus dentes de nácar.

Estar perto

Tenho um barco a remos. E sei que me amas porque sei que me esperas sabendo que estou longe mas que só as águas do mar, um Atlântico ridículo, nos separam.

sábado, junho 24, 2006

SMS

Mandas-me uma sms a dizer «que te apetecia tanto fazer-me um broche». E só eu sei que, como no poema do O’Neill, o que estás a dizer é «que tropeças de ternura por mim» - e que gostavas de me ter a teu lado a acariciar-te a curva vagarosa dos teus ombros.

quinta-feira, junho 22, 2006

Um gesto

Apetece-me, de novo, tocar-te. Olhar-lhe nos olhos e adivinhar, olhando-me, a tua surpresa de ser tão imenso o poder do teu corpo. E no entanto sei que mais uma vez me haverás de render à lentidão, ao silêncio, à ausência de movimento, à exasperante expectativa de um gesto.

terça-feira, junho 20, 2006

Que se o pedires

[poema apócrifo, um quanto totó, pseudo-modernista, sub-romântico]


Eu gosto do teu corpo porque é teu.
Eu gosto dos teus braços porque tu
é neles que me abraças tanto. E eu
quero é que me abraces: quero-te nu

só porque quero que me abraces tanto.
E quero-te só meu. Que sejas meu.
Que o ar que respirares, de eu te querer tanto,
nos una em ser de ti o que é já meu

e teu o que tu fores em mim: pois tudo
é pouco, sendo tanto, o que me deres.
Por isso permanece. Nunca mudes.

Que se o pedires eu mudo, se quiseres,
os meus piores defeitos em virtudes.
Porque por ti, amor, eu faço tudo.

quinta-feira, junho 15, 2006

A perplexidade

O que sobretudo me atrai em ti: a perplexidade: essa disponibilidade quase permanente para descobrires e aprenderes coisas novas: mesmo as que já sabes.

É só de mim...

Chega a dar-me prazer intuir no modo como me olhas a ilusão de que me dás prazer. Como se o prazer que sinto não fosse uma coisa de mim a mim mesma. Oh, se soubesses, meu amor, o quanto gosto de te trair comigo…

Como se o mundo

Às vezes é como se os mapas mentissem: como se não houvesse rios nem montanhas, como se não existissem florestas nem desertos, como se não existissem cidades ou como se em nenhuma cidade existissem ruas onde os autocarros pudessem circular de manhã a caminho dos empregos: como se o mundo fosses tu: como se tudo decorresse das tuas mãos erguendo-se, das veias salientes dos teus pulsos, de moveres as pálpebras ou ficares por um instante suspenso do rumor distante da tempestade. É isso que sinto no meu corpo: uma respiração que não é minha e que sobre todas as coisas me pertence: um estremecer da pele que só pode reverter do modo como respiras.