quarta-feira, julho 26, 2006

Platão

Ela vinha-se-me com queixumes acariciando-me os ombros de tristeza e procura de compreensão, e lacrimejando, que o seu amor nunca haveria de concretizar-se por não poder, ela, viver o que não fosse perfeito e eterno. E que isso a estava a levar à loucura. (O que é o amor platónico? É isso: é acreditar que o mundo verdadeiro é imperfeito; que há um mundo ideal, modelar; e que esse mundo não é necessariamente intangível.) Disse-lhe, pois, dando-lhe de conselho, que acreditasse e fosse esperando. Que também eu acreditava e que também eu sentia a imensa tristeza da imperfeição quotidiana – e que também eu, portanto, esperava.

E pedi-lhe que subisse a escaleira. E entrámos em casa. E entrámos no quarto. E beijámo-nos. E concordámos que muito era insuficiente esta materialidade triste de nos beijarmos. E despimo-nos, depois, devagar, lamentando-nos de, enquanto mutuamente nos acariciávamos e lhe senti estremecer a pele, não haver uma luz que, de súbito, nos fizesse elevar e boiar na suprema espiritualidade do éter. Ela gemeu – um daqueles gemidos terrenos, materiais. E depois gritou: gritou de um prazer que ela sabia que não haveria de decorrer senão da incompletude. E gritou de novo. E amámo-nos na consciência de que não seria assim um amor perfeito e eterno.

E no entanto pareceu-me muito apaziguada, muita conciliada consigo mesmo – depois de repetirmos a sessão e a argumentação e de, ainda a tremer, ela se vestir de novo. Ora, nunca tive dúvidas que não há como discutir os problemas, dialogar, conversar, trocar ideias sobre os assuntos.