segunda-feira, janeiro 31, 2005

O ócio

É certo que o esgarçanço, na sua fase pívia, decorre em muito do ócio. Já lá dizia D. Quixote, vendo Altisidora de espinha direita e muito alevantada: «Saiba Vossa Senhoria que todo o mal desta menina provém da ociosidade. O remédio para ela está numa ocupação honesta e seguida. Disse-me aqui que se usam rendas no Inferno. Como é coisa que sabe fazer com certeza, não as largue da mão. Enquanto está ocupada em rodar os bilros, não lhe vêm à cabeça os maus pensamentos.»

A doutrina do engenhoso fidalgo fez muita escola nos seminários e nos colégios de rigoroso internato. Em Santo Tirso, por exemplo, a receita para os mocinhos com negativa a Latim, e que simultaneamente começavam a levantar a garupa, seguia o preceito antigo: esfregar o soalho dos corredores a escova e sabão azul para desgaste do físico; decorar, para desgaste do espírito, o quadro cronológico das civilizações da antiguidade oriental insertas na História Universal do sr. dr. António G. Matoso; e rezar, invocando o auxílio divino, doze padre-nossos.

Há quem garanta que a receita do Colégio D. Diogo, de Braga – mais pragmática, mais de escudeiro – não atingia resultados de menor fiabilidade: os padres-mestres limitavam-se a obrigar os artolas a dormir com as mãos atadas atrás das costas.