quinta-feira, fevereiro 03, 2005

A puta da casa da señora Sánchez

Jorge Luis Borges glosa com frequência o tema do traidor e do herói. O caso de Fergus Kilpatrick (in Ficções) é elucidativo deste baralhar e dar de novo, deste jogo de espelhos poliédricos: em boa verdade, Kilpatrick só é um verdadeiro herói porque foi obrigado a desempenhar o seu papel de traidor: desempenhou-o com heroísmo; isso o redimiu.

A trama de O Cônsul Honorário, de Graham Greene, não tem outro fim que o de nos mostrar como o heroísmo pode encontrar-se onde menos se espera, e como nunca sabemos que face escolher da multiplicidade de rostos escondidos num único rosto. O médico, o professor de inglês, os revolucionários, o romancista, o cônsul honorário (que chegou a ser confundido com o embaixador americano) não passam duns gaioleiros decrépitos a glosar o tema do traidor e do herói.

Clara é a única personagem digna: Clara, a puta da casa de putas, que em nome do amor se entrega a quem a magoa, a quem a desrespeita, a quem a humilha, a quem a maltrata (Eduardo Plarr); e que, mais tarde, em nome da gratidão, se recusa a abandonar quem já nada mais pode ambicionar do mundo e de si mesmo do que o imenso vazio de que somos feitos.