sexta-feira, fevereiro 11, 2005

A seda

«Abraçou-me e levou-me por um corredor com um cheiro penetrante. A minha cabeça repousava na anca de Galina; a anca movia-se e respirava. (...) Com sapatos vermelhos caminhou até às janelas para pendurar as cortinas chinesas de um extravagante bastidor. As mãos dela mergulhavam na seda, uma trança movia-se-lhe na anca; eu observava-a arrebatado.

Eu, menino culto, olhava-a como se olha um longínquo cenário iluminado por muitos focos. Imaginei que pertencia à milícia judia e que, como Mírion, usava botas amarradas com cordas. Tenho uma espingarda inutilizável, pendurada ao ombro com um cordão verde, estou ajoelhado perante um velho fosso e disparo contra os assassinos. Atrás do fosso existe um lajedo com pilhas de carvão coberto de pó, a velha espingarda dispara mal, os assassinos de barbas e dentaduras brancas avançam; tenho a orgulhosa sensação de uma morte próxima, e no alto, no azul do mundo, avisto Galina. Vejo uma seteira na parede de um gigantesco edifício, construído com milhares de azulejos. Esta casa avermelhada esmaga a ruela de terra cinzenta mal batida; na seteira superior está Galina. Sorri com o seu sorriso depreciativo da sua janela inacessível; o marido, um oficial meio-vestido, está nas costas dela e beija-lhe o colo...

Imaginei tudo isto enquanto tentava conter os soluços, para amar a Rubtsova com mais amargura, paixão e desespero, e talvez porque a medida da aflição é demasiada para um homem de dez anos.»


[Isaac Babel, in Contos de Odessa. Editorial Inova, Porto, 1972. Selecção e tradução de Egito Gonçalves.]