terça-feira, novembro 09, 2004

(Hoje é só poesia, pá, deixa lá)

Alguns dos contributos dos leitores não merecem ficar escondidos nas caixas de comentários. Lucia-Fera (do excelente in-cool-2-much) propõe-nos, em comentário à entrada anterior, um belíssimo poema de Mário Cesariny (Onan dos Outros, cf. O Virgem Negra). Menos a propósito, retribuímos com um dos nossos preferidos do autor da Pena Capital. Aí vão, aquele e mais este:

Onan dos outros

Onan dos outros! Ó deus que dás confiança
Só a quem já confia!
E não à morrente ou garça mão que se ansa
Varonil e vazia.

O Virgem Negra, tal me descobriram
Cincoenta anos depois,
Em minha infusão estou. Tombam, deliram
Em vão quantos seguiram

Minha viagem ao nunca ser dois.
No seu andor de luto e de desgraça
O Virgem Negra passa
Maior que todos os sóis.


You Are Welcome To Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluços
ó espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar