sexta-feira, março 11, 2005

Às vezes

É assim: é o teu corpo que espero quando digo que estou à tua espera: as mãos poisadas muito devagar nas minhas ancas até que a noite deixe de ter peso e a própria sombra se misture ao rumor da água e ao rumor do vento nas folhas do salgueiro; os lábios poisados na pele dos meus ombros; o corpo adormecido enquanto uma estrela risca o céu nocturno e uma pequena lâmina de luz por um instante se acolhe nos teus braços. É o teu corpo que espero. Porque tu és o teu corpo: o modo como acendes um cigarro ou caminhas descalço na tijoleira do terraço; o modo como respiras; o modo como atravessas o pátio e pisas a terra ainda molhada de ser muito cedo no mundo. Por isso te espero: temendo a loucura de saber que o meu corpo é já às vezes, tantas vezes, o teu corpo, e que já nem chego a saber onde terminam as tuas mãos, onde começam as minhas.