quinta-feira, março 03, 2005

Escrita feminina (2)

Maria Teresa Horta, em crítica no DN, confessa a grande dificuldade que teve em ler até ao fim o mais recente romance de Lola Beccaria (Uma Mulher Nua, Ed. Teorema). E dá-lhe uma estrela, numa escala de uma a cinco estrelas possíveis. Já sabemos do que a casa gasta: o livro deve ser bom. Porque à Maria Teresa o menos que a preocupa na literatura é a literatura propriamente dita. No caso em apreço, Maria Teresa até começa por realçar a «narrativa ávida e ágil», mas, oh, o problema é que no livro de Lola Beccaria «o feminino se afirma através de parâmetros evidentemente masculinos». E isso é proibido. Pois para Maria Teresa a legitimidade do discurso de uma personagem depende de previamente sabermos se o livro foi escrito por um homem ou por uma mulher. Se, é um supor, for escrito por D. H. Lawrence, Lady Chatterly poderá dizer: «Que beleza! A beleza inefável daquelas nádegas quentes e vivas que ela tocava» - porque isso é literatura; mas se for escrito por uma mulher (Lola Beccaria, é outro supor), Martina ficará impedida de dizer: «Aquele nobre brutamontes era imponente. Brioso, elegante, altaneiro» - porque isso não passará de um discurso sexista, narcisista, ridículo. Porquê? Porque Maria Teresa Horta, treslendo Anais Nin, entende que uma mulher não poderá deixar de guardar a «linguagem de uma mulher»; e que uma mulher não pode descrever uma relação sexual se o não fizer «sob o ponto de vista feminino».

Tantos anos de feminismo, tanto soutien queimado em piras ruidosas, tantas Novas Cartas Portuguesas, tanto novelo, tanta roca de fiar - e o fenómeno dá nisto: de acordo com Maria Teresa Horta, mais que a sintaxe coxeante ou a prosa maçada, mais que a inexistência de um estilo ou de um módico de força narrrativa, ou de originalidade, ou de capacidade efabulatória - o que destrói a escrita das mulheres é... «o erotismo sexista».