sábado, maio 06, 2006

O que verdadeiramente interessa

O que verdadeiramente interessa aconteceu até ao preciso momento em que toquei a alça do teu soutien e tu sorriste. Era uma noite de Inverno. Víamo-nos pela primeira vez. Isso a que designamos por «acaso», e tantas vezes confundimos com «Destino», levou a que nos sentássemos um ao lado do outro. Havia muita gente. E passou-se algum tempo até que trocássemos uma palavra: o empregado de mesa, um míope desajeitado (passe o pleonasmo), derramou um copo de vinho e tu disseste «é sinal de alegria». Olhei os teus olhos: vi essa luz: e ambos soubemos que o outro estremecia e que derramar vinho nas mesas não podia senão significar a felicidade.

Estava frio. No murete da rua quase deserta, junto ao tanque cuja água recordo como se acabasse agora de tocá-la, as nossas mãos, ausentes de nós, encontraram-se por um breve instante. E foi então que puxei a tua camisola e ergui a alça do teu soutien. E tu. Sorriste.

A noite acabou na cama, como nesse tempo acabavam ou começavam tantas vezes as noites do Inverno. Despiste-te muito devagar, puxaste-me com muita força contra o teu corpo, gritaste de prazer até que o vento, e a tempestade, e a sombra, se recolheram lá fora, algures, nas suas conchas de silêncio. Tenho uma memória vaga, sim, das tuas mamas orgulhosas, do teu sexo, das tuas pernas arrogantes e subitamente dóceis. Mas o que recordo verdadeiramente é o momento em que, num breve gesto, ergui a alça do teu soutien. E tu. Sorriste.

Quando agora, tantas vezes, tanto tempo depois, esgarço a piroca à procura do segredo sublime da Arte suprema da laustríbia, quando a esgaramanteio num labor dedicado de tentativa e erro, é isso apenas que recordo: antes da foda; antes do sexo: a sedução: o instante em que, num breve gesto, ergui a alça do teu soutien e tu sorriste.