segunda-feira, maio 01, 2006

Se o desejo irrompe, 1

Topámo-nos assim com a certeza de que estava ausente de nós a premeditação: as nossas mãos acariciando-se como se elas próprias concluíssem que era tempo de se tocarem, uma procurando a outra ausentes do que decidíssemos. Por isso, claro, esse espanto sem jogo nem estrangeirinha, esse espanto em estado ainda puro, quando nos olhámos, rosto no rosto, olhos nos olhos, rendidos à evidência de que o desejo nos escolhera e que, antes de sermos cúmplices um do outro, éramos sobretudo vítimas. Tocados por ele, o desejo, e não tocados pelas mãos um do outro; o desejo procurando-nos mais do que procurarmos a pele, um corpo pressentido.

Tenho ainda, tantas horas depois, os teus dedos nos meus dedos: o mesmo lume, a mesma água evaporada dos obscuros subterrâneos: e a certeza de que não procurámos nada, de que fomos apenas vítimas, de que, num certo sentido, não poderia ser de outro modo.