quinta-feira, maio 11, 2006

Mudar de casa

Líricos, agora paramos aqui.

domingo, maio 07, 2006

O nome

A pobre da mocinha nunca deve ter percebido que lhe chamei «querida, oh, querida» porque naquelas alturas tem que se lhes chamar alguma coisa e eu tinha-me esquecido de lhe perguntar o nome.

Memória

Esta tão lenta, demorada aprendizagem do desejo: até que um corpo seja todo em si mesmo: a pele e a memória da pele que permanece além da memória do que num corpo reverte da sua implícita materialidade.

sábado, maio 06, 2006

O que verdadeiramente interessa

O que verdadeiramente interessa aconteceu até ao preciso momento em que toquei a alça do teu soutien e tu sorriste. Era uma noite de Inverno. Víamo-nos pela primeira vez. Isso a que designamos por «acaso», e tantas vezes confundimos com «Destino», levou a que nos sentássemos um ao lado do outro. Havia muita gente. E passou-se algum tempo até que trocássemos uma palavra: o empregado de mesa, um míope desajeitado (passe o pleonasmo), derramou um copo de vinho e tu disseste «é sinal de alegria». Olhei os teus olhos: vi essa luz: e ambos soubemos que o outro estremecia e que derramar vinho nas mesas não podia senão significar a felicidade.

Estava frio. No murete da rua quase deserta, junto ao tanque cuja água recordo como se acabasse agora de tocá-la, as nossas mãos, ausentes de nós, encontraram-se por um breve instante. E foi então que puxei a tua camisola e ergui a alça do teu soutien. E tu. Sorriste.

A noite acabou na cama, como nesse tempo acabavam ou começavam tantas vezes as noites do Inverno. Despiste-te muito devagar, puxaste-me com muita força contra o teu corpo, gritaste de prazer até que o vento, e a tempestade, e a sombra, se recolheram lá fora, algures, nas suas conchas de silêncio. Tenho uma memória vaga, sim, das tuas mamas orgulhosas, do teu sexo, das tuas pernas arrogantes e subitamente dóceis. Mas o que recordo verdadeiramente é o momento em que, num breve gesto, ergui a alça do teu soutien. E tu. Sorriste.

Quando agora, tantas vezes, tanto tempo depois, esgarço a piroca à procura do segredo sublime da Arte suprema da laustríbia, quando a esgaramanteio num labor dedicado de tentativa e erro, é isso apenas que recordo: antes da foda; antes do sexo: a sedução: o instante em que, num breve gesto, ergui a alça do teu soutien e tu sorriste.

segunda-feira, maio 01, 2006

[Sim, o amor é fodido]

Dos homens já não espero mais que o sexo, a promessa do amor, as flores ridículas da Romeira Roma remetidas com endereço, o convite para um burlesco jantar cerimonial de sushi. E é um pau.

E no entanto... E no entanto a verdade é que às vezes ainda te sonho capaz de só poisares as tuas mãos nos meus ombros, de teres uma palavra indecisa entre a ternura e a mágoa, de foderes comigo como se uma parte de ti me passasse a pertencer para sempre...

Bem vês: a ilusão do amor permanece para além das evidências, para além das sucessivas, irredutíveis demonstrações do desencanto.

A ternura

Quando to encabava, e enquanto guinchavas, eu imaginava já o prazer verdadeiro da laustríbia futura em memória das tuas coxas que devem ser de primeira se não estivermos obrigados ao ridículo de, em tempo real, escutando os ladridos, ter que acariciá-las e gabá-las para que te venhas mais depressa ou me aches capaz de um gesto de ternura.

Se o desejo irrompe, 1

Topámo-nos assim com a certeza de que estava ausente de nós a premeditação: as nossas mãos acariciando-se como se elas próprias concluíssem que era tempo de se tocarem, uma procurando a outra ausentes do que decidíssemos. Por isso, claro, esse espanto sem jogo nem estrangeirinha, esse espanto em estado ainda puro, quando nos olhámos, rosto no rosto, olhos nos olhos, rendidos à evidência de que o desejo nos escolhera e que, antes de sermos cúmplices um do outro, éramos sobretudo vítimas. Tocados por ele, o desejo, e não tocados pelas mãos um do outro; o desejo procurando-nos mais do que procurarmos a pele, um corpo pressentido.

Tenho ainda, tantas horas depois, os teus dedos nos meus dedos: o mesmo lume, a mesma água evaporada dos obscuros subterrâneos: e a certeza de que não procurámos nada, de que fomos apenas vítimas, de que, num certo sentido, não poderia ser de outro modo.

Se o desejo irrompe, 2

E no entanto é isso que distingue o esgarçanço: só aí, na laustríbia, é possível desejar o desejo e ser imune à sua voracidade, à sua quase intransigência.