sábado, outubro 29, 2005

Descuido

A punheta é o meu descuido de ser livre.

Resíduos urbanos

Muitas outras coisas aproximam a punheta e o fascismo: uma espécie de silêncio temeroso dos relâmpagos; um êxtase auto-contemplativo; o automatismo; o ardil em que só nós mesmos ficamos presos.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Poder

Ela sabe que tudo depende do modo como esconde o que mostra. Do modo como mostra o que esconde. Ela sabe que o seu poder é feito, simultaneamente, de rasura e aliteração.

quinta-feira, outubro 20, 2005

O erro

O erro é esse: pensar que o amor pode ser uma coisa simples, sem entregas absolutas, sem necessidade de descer aos poços escuros quando o Inverno ou a vida desabam sobre nós – descer ao fundo do poço para depois regressamos, feridos, se regressarmos, e termos uma luz, uma luz precária que seja, para oferecer à pessoa a quem jurámos o amor: o amor absoluto. (Riam, riam.)

O amor ou é tudo ou é nada, nadinha, nadegues. Por isso tinha razão o, o, o, como é que ele se chama? O Vinícius, que escrevia umas coisas apaneleiradas a ver se mantinha uns ocasionais encabanços. Mas tinha razão: curto que seja no tempo, imortal o seja enquanto dure. Depois, em amolecendo, fora. Sem subterfúgios.

Eu, por exemplo, à mocinha de línguas que na terça-feira me recitava Elliot a respirar pelas guelras, agradeci-lhe a punheta – e ela ficou sem perceber porque não percebe que a questão não é a da forma mas, digamos, a do conteúdo, e que aquilo não passara duma pívia mal arregamanteada.

Se a amasse ainda lá estava hoje, nem almoçava, nem saía de casa, a beijar-lhe os pés e a fechar à chave o gabinete da estante dos livros. (Mentira: isto sou eu a falar.)

quarta-feira, outubro 19, 2005

Então quando elas têm a mania que são intelectuais....

Os cultores da Suprema Arte do esgarçanço começaram, em regra, por bater umas apressadas punhetas e dar umas fodas. Porque não há desprendimento daquilo a que não estivemos presos. Porque a libertação só faz sentido se previamente estivemos amarrados, atados, chumbados ao fundo das águas lodosas. Tudo bem, é assim que se começa o caminho que leva à laustríbia. O problema é quando, a meio já do percurso de libertação e desprendimento da matéria, os sectários sucumbem por um instante e afocinham na coxa feminina, material, palpável, como se morressem de sede. É um retrocesso... Ontem, por exemplo, papei uma estagiária de línguas e literaturas modernas que não me contive.

Vá lá, vá lá que não necessariamente retrocedi: eu a entumescer-lho, e ela, revirando os olhos e fazendo arremelujas de cintura, a recitar-me Elliot... Enquanto me lembre – não estou que sucumba tão cedo...

À espera

Sei que me esperas. Mas sei também que não corres à varanda, sobressaltada, à espera que eu chegue: basta-te saber que eu sei que me esperas.

O amor

Ela dizia que o amor lhe interessava, e que incessantemente o procurava, do mesmo modo que lhe interessava a amizade – ou, dizendo melhor, a cumplicidade. Porque precisamos sempre de encontrar alguém que seja uma parte de nós para que depois consigamos ser nós mesmos. A individualidade encontra-se depois de um processo, às vezes longo, às vezes doloroso, de perdas e encontros, de lágrimas e risos. O processo quase nunca se completa. Encontramo-nos só depois de imensamente nos perdermos até ao quase apagamento do que um dia julgávamos ser. Por isso procuramos sempre. Tropeçando, erguendo-nos de novo. Procurando sempre. E é isso o amor.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Desprendimentos

Ela dizia que não precisava de tocar ou ser tocada. Que o desejo só existe verdadeiramente se o tacto for substituído pela memória do corpo a mudar de estado até à sublimação. E que nesse exercício de sucessivos desprendimentos se revela indispensável incluir a audição, a visão, o gosto e o olfacto, transfigurados também eles na memória pura, sublimada, do que um dia foram na sua imperfeição intrínseca .

sexta-feira, outubro 14, 2005

Um outro adeus

Se pudesses deixar-me ficando agarrada ao meu corpo a tua presença, deixando na minha pele o teu perfume, a cicatriz de cada uma das tuas feridas.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Desde sempre

Esgarço-a a imaginar-te fora do tempo: venho-me como se este preciso momento estivesse a acontecer desde sempre.

A suspensão do tempo

O lento espraiar da vaga, o modo intemporal de correrem sobre a pele as pérolas da água, a noite ter sempre mais um degrau para subir antes de chegar e entrar em casa.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Colaboração desinteressada dos leitores, a quem se agradece, 2

"Ainda sou do tempo em que os riapinhas só tinham na cara borbulhinhas que espremiam com os dois indicadores premindo a um tempo nas bordas da impingem enquanto de simultâneo corriam as páginas das revistas de paneleiragem e do Adolfo treinando ao espelho a suástica" - Quitéria Desdentada in "Os que da Lei da Pívia nunca se foram libertando", Revista "Arregaça-mos", nº 12, 2005.

Colaboração desinteressada dos leitores, a quem se agradece

“Ainda sou do tempo em que os Alemães votaram Democraticamente no Adolfo” – Quitéria Barbuda in “Os Primos e Amigos do Adolfo”, Revista “Espírito”, nº 17, 2005.

www.riapa.pt.to

domingo, outubro 09, 2005

Ora valham-nos os riapinhas

Nunca nos supusemos guardados a tanto ou a tão pouco: que um blog sobre literatura e a Arte sublime do Esgarçanço acabasse como pouso dos piveteiros do riapa. Meninos que, em Deus lhes perdoando, arregaçam a carapuça como gente grande, com saudades dos calções da Mocidade, do mapa das colónias ou de Castro Verde a Vila Viçosa, e de quem mace os pretos e amarelos em geral e em particular os búlgaros. É ver as caixas de comentários. Duma coisa nos livram: de ter que andar sucessivamente a explicar que piveteiros ou seminaristas tocam à punheta como quem leva no cu.

domingo, outubro 02, 2005

Só para dizer

Só para dizer: a Seita continua o seu mister: mas com tanto piveteiro nas autárquicas - dizer o quê? Confundirmo-nos com quem? Que cada um arregace as suas - certo. Mas períodos destes, de campanha, de bandeirinhas e canetinhas impressas - desmotivam-nos. As leitoras desculpem - mas o hidráulico acaba por funcionar com dificuldade, e isto não é gente de promessa de cartucho. É, pois, irem-se vindo por aqui, e haver um cibo de paciência: cá nos haveremos de encontrar, em havendo calma e temperança.