sexta-feira, outubro 29, 2004

Tintol?

Isto vai lá: agora é o velho Blog de Esquerda a lembrar que a masturbação contribui «para um maior relaxamento e boa disposição», acrescentando que «diminui as dores menstruais» (na Seita de Fénix, confessêmo-lo aqui com toda a modéstia, desconhecíamos o facto – mas olha, é outro a acrescentar à lista...), «previne as insónias» (insónias? O que é isso?...), «potencia o sistema imunitário humano» (sim, há evidências científicas) e «ajuda a combater a depressão» (depressão? O que é isso?...).

Mais um contributo, pois, para que o esgarçanço saia do discurso do politicamente correcto, e passe, como de direito, a deixar de estar para o sexo como a cerveja para o vinho tinto... É tudo muito bonito muito bonito, mas quando temos sede, ou apenas sentimos o desejo de ter sede – sobretudo naquelas tardes e noites fabulosas de Verão – à gente apetece-lhe o quê? Um copo de tintol?

terça-feira, outubro 26, 2004

O corpo que se nos revela

Há um instante em que o corpo se nos revela a nós mesmos. Mas esse instante, em regra, é precedido de uma demorada aprendizagem: aprendizagem feita de descobertas – e portanto de actos voluntários no sentido da procura do Segredo – mas também de acasos e contingências. O que é preciso, sempre, é estar desperto para a compreensão desses momentos (às vezes breves, fugazes) iluminados por uma luz que nem sempre se repete, que nem sempre nos visita, que muitas vezes nos apanha desprevenidos e ausentes.

Kundera – mais uma vez, em A Insustentável Leveza do Ser – fala-nos de um desses momentos em que a Arte do esgarçanço se anuncia já, inteira, irrenunciável, próxima. Porque a masturbação, entendida como Arte sublime, não existe verdadeiramente antes de o nosso próprio corpo se nos revelar:

«Não sentia qualquer vontade de ver o sexo do desconhecido. Queria era ver o seu púbis ao pé do membro estranho. Não desejava o corpo do amante. Desejava era o seu próprio corpo, subitamente revelado, tanto mais excitante quanto próximo e estranho».

segunda-feira, outubro 25, 2004

O caminho certo

A masturbação liberta-nos do que no corpo é peso excessivo, do que na matéria não é ainda volátil. Por isso não é uma substituição ou um recurso, mas um outro lugar onde a luz não está ainda (ou já não está) contaminada pelas suas próprias sombras. Kundera, em A Insustentável Leveza do Ser (Publicações D. Quixote) descreve-nos uma experiência em que esta possibilidade é intuída. Dum modo ainda impreciso, é certo («à beira do sono, no espaço encantado das visões confusas»), mas no caminho certo. Vejamos: «convenceu-se que acabara de descobrir a solução de todos os enigmas, a chave do mistério, uma nova utopia, o Paraíso: um mundo em que se fica em erecção por ver uma andorinha e onde é possível amar Tereza sem ser importunado pela estupidez agressiva da sexualidade».

Está quase lá. Mas isto, claro (mesmo descontando a simplicidade da metáfora), não é «por ver uma andorinha»: exige dedicação, treino intenso e um poder de abstracção que, não obstante o esforço despendido, muitos não chegam nunca a alcançar.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Um Livro Sagrado

Jorge Luís Borges fala do Rito do Segredo com alguma displicência, sobretudo por não existir um livro sagrado que congregue os devotos da Fénix.

Virginia Woolf (cf. As Ondas, 1931) falava em «viver no corpo», em ver «os contornos das coisas com os olhos da imaginação». Borges, no seu entendimento patético do desejo, talvez vivesse, também ele, aprisionado num corpo – ou, o que dá no mesmo, fora dele.

Ora o esgarçanço coloca-se num plano superior em que o corpo não está aprisionado nem ausente. Depois da fase pedagógica da pívia, antes da fase decadente da gaiola ritual, esgarçar a gaita é um exercício superior de física espiritualidade. E que, ao contrário do que Borges ou Virginia poderiam suspeitar, vive mais da Palavra (da palavra que se disse e se recorda, da palavra que desejaríamos que fosse dita, da palavra que é como se já tivesse sido pronunciada) do que propriamente da imagem.

E, portanto, é como se a punheta tivesse um Livro Sagrado: um Livro especial, ímpar, feito de todas as palavras do mundo que convocam o Desejo.

quinta-feira, outubro 21, 2004

A distância

«Ela mesmo o faz com a sua própria mão em frente dele que a olha. Durante o prazer dir-se-ia que ele chama, uma espécie de palavra dita muito baixo, em tom muito surdo, e muito longe. Uma espécie de nome talvez, e sem nenhum sentido. Ele não reconhece nada. Ele pensa que traz consigo uma espécie de clandestinidade natural, sem memória, feita de inocência, de disponibilidade sem referências.

Ele diz:

- Gostava que me desculpasse, não posso ser de outra maneira, é como se o desejo se apagasse quando me aproximo de si.

Ela diz que também tem andado assim ultimamente.»

[Marguerite Duras, in Olhos Azuis, Cabelo Preto, ed. PÚBLICO]

Uma fase

A pívia não é ainda esse «chamar alguém no desespero do prazer» (cf. Duras). Não é ainda essa materialização espiritual do desejo. É mais uma pulsão que uma pulsação. Não é ainda a alusão, a alegoria. É mais um antídoto adolescente contra a implosão material. Porque só mais tarde, só depois da fase da pívia, a mão e o desejo verdadeiramente se tocam.

A memória infernal

«Uma noite. Ela pergunta-lhe se ele podia fazer aquilo com a mão, sem ser preciso aproximar-se dela, sem sequer a olhar.
Ele diz que não pode. Não pode fazer nada de parecido com uma mulher. Não consegue chegar a dizer o efeito que lhe provoca aquele pedido da parte dela. Se aceitasse, arriscar-se-ia a nunca mais querer vê-la, nunca mais, e mesmo talvez a fazer-lhe mal. Teria de abandonar o quarto, esquecê-la. Ela diz que é o contrário, que ela não pode esquecê-lo. Que a partir do momento em que não se passa nada entre eles, fica a memória infernal daquilo que não acontece.»

[Marguerite Duras, in Olhos Azuis, Cabelo Preto, ed. PÚBLICO]

quarta-feira, outubro 20, 2004

A Cabala

“A Cabala” (ou, mais rigorosamente, “Acabá-la”) é uma pulsão adolescente relacionada com a imprescindibilidade de concluir uma mastreação que se começa a revelar laboriosa por diluição progressiva das imagens que a inspiram. Por isso se diz: «tu queres ver que não consigo a Cabala?».

O contraditório

«Arregaçar o contraditório»: diz-se da pívia dedicada a alguém que não vai à bola connosco.

terça-feira, outubro 19, 2004

Anónima figura de desejo

«Maria pediu a um amigo que aparecesse no bar naquela noite e lhe tirasse fotografias enquanto actuava - não para as exibir, não para as mostrar, mas apenas porque queria ter uma visão de si mesma, porque queria satisfazer a curiosidade que sentia relativamente ao seu desempenho. De um modo consciente, Maria estava a converter-se num objecto, numa anónima figura de desejo, e, para ela, era crucial compreender com a máxima precisão possível o que esse objecto era.»

[Paul Auster, in LEVIATHAN, ed. ASA]

segunda-feira, outubro 18, 2004

O chuveiro

Jorge Luís Borges (cf. A Seita de Fénix, in Ficções) diz que «não há templos dedicados especialmente à celebração» do culto da gaiola. Mas que «uma ruína, uma cave ou um saguão são julgados lugares propícios». Claro que sim. O chuveiro, no entanto, propicia aos Cultores do Segredo uma arena ímpar: diariamente, antes de mais nada, antes ainda de olhar pela janela a ver se o dia nasceu claro ou com algumas nuvens, estica-se a munheta enquanto a água começa a cair. O resto, enfim, é como diz o outro: em qualquer lugar a estivo...

Declaração

Esgarçar o mastro. Bater no ceguinho. O deus da masturbação é apenas um dos que nos interessa, a nós que nos move, acima de tudo, o vício da literatura.